Camille Claudel

Uma Mulher

2010-01-01






















Clotho
(1893)


Na Teogonia grega, Clotho é uma das três Parcas (as outras são Lachésis e Atropos), espíritos femininos que determinam o destino dos homens. Também chamadas de Moiras, estão acima dos deuses do Olimpo e são as “fiadeiras do destino”. A acção das Parcas começa no berço e só termina na tumba, intervindo sobretudo no momento da morte.

Filhas da noite (Nix), que as teve sem se unir a outro deus, tal como ela própria foi gerada pelo deus primordial Caos, as Parcas exprimem a cadeia irresistível de acontecimentos na trama da vida. Cada uma tem uma tarefa - Lachésis é a medidora, distribuidora e avaliadora e Atropos é a que corta o fio com a sua tesoura mágica -, mas Clotho e é a mais poderosa das três, porque fia o fio da vida com o seu fuso mágico e tem o poder de o mandar cortar quando quiser.

A arte de tecer e fiar é obra e projecção da Grande Mãe, que tece a teia da vida e fia a meada do destino. Como mãe suprema, ela tece a vida humana, assim como a escuridão e a luz.

No poema de Hesíodo, a "Genealogia dos Deuses", as Parcas juntam-se às Queres (Keres) e tornam-se, como estas, divindades da morte violenta. Ambas simbolizam o destino cruel, fatal e ao qual é impossível escapar.

Ao criar “Clotho”, Camille quis representar o espectro da velhice, despojado de qualquer traço benevolente. Criou a visão anatómica de um corpo de velha, que é, afinal, a metamorfose que ocorre com a mulher ao longo da vida, usando a figura mitológica da Parca ou da Morte que fia o destino. Um espírito malévolo que ordena o tempo, mostrando o começo, o percurso e o fim da vida, e recolhendo o passado para desenhar o futuro.

Nesta imagem de mulher velha, Camille reúne as figuras femininas do seu ódio, a mãe Louise e Rose Beuret, criando uma imagem horrível da feminilidade, representativa da sua sedução pela morte. Tema que, aliás, seria retomado em “A Idade madura”, onde a velha aparece como um anjo negro, que leva o homem nos seus braços de feiticeira, afastando-o do seu amor implorante.

Tanto “Clotho” como “Clotho calva”, são obras de evidente simbolismo e de intencional repugnância, em que Camille despreza a aparência externa, pretendendo representar a incompletude da própria vida. Esta dimensão do inacabado, traz ao espectador a subjectividade e a liberdade da interpretação, que deve existir na linguagem poética, fazendo do observador também sujeito do objecto artístico.

Camille afasta-se intencionalmente da perfeição artística e as suas “Clotho” têm de ser vistas e entendidas de forma dinâmica nas suas várias vertentes, nunca se lhes encontrando um fim, pois de cada vez que as olhamos percebemos coisas diferentes.

A estética destas esculturas está carregada da estranha beleza de um corpo a definhar, que é repulsivo e que não agrada. No entender de Fernando Pessoa, A finalidade da arte não é agradar, mas elevar. O prazer é um meio, não um fim”, e o prazer da contemplação desta obra de Camille Claudel, é um meio para abrirmos a alma a um turbilhão de questões, que elevam o sentido da procura da verdade.

A relação entre beleza e prazer, na obra de Camille, não é objectiva e os corpos de “Clotho” entram-nos pelos sentidos de diferentes maneiras, conforme cada nova interpretação e consequente nova questão que se nos coloca. Os corpos nestas duas esculturas são como que um fetiche da forma, da história de tudo que circunda e inspira a empatia pela arte. Camille escreve com eles a própria história do corpo.

Em 1882, no início da sua carreira, Camille tinha criado um retrato realista de uma velha empregada de olhar indiscreto, sorriso astuto e queixo proeminente - “A velha Hélene” -, que demonstra já uma precoce obsessão pela decrepitude da mulher.

(por Ruben Marks)