Camille Claudel

Uma Mulher

2010-01-01


Um amor de perdição

Alvo da terrível hostilidade da família e da indiferença da sociedade, Camille Claudel, dotada pela natureza de maravilhosos dons que lhe deram o génio fulgurante da criação artística, tornou-se uma personagem lendária, queimada pela paixão e pelo talento. Apesar de uma luta violenta pela afirmação, o lugar menor e secundário para o qual Camille é remetida em vida, adivinha-se ser o resultado das normas sociais da época, que não aceitavam a mulher em lugares de destaque. Lançada numa sufocante luta, as suas forças e a sua lucidez foram-se desgastando, como resultado da relação umbilical e absorvente com Rodin, Mestre e amante, teia psicológica e sentimental de que nunca conseguiu libertar-se.

A sua história é um típico caso de amor de perdição. Completamente dominada por uma paixão destruidora, absolutamente suicida, Camille lança-se no abismo para uma queda fatal. É uma história que, nos aspectos sociais e comportamentais, se pode dizer como sendo um prolongamento do espírito dos ideais românticos dos finais do séc. XVIII, que perfilhava uma explosiva mistura de sentimentos e comportamentos de exacerbada paixão, solidão, miséria, loucura, sofrimento, revolta e apelo suicida, o que, afinal, representa praticamente a súmula da vida de Camille Claudel.

Na realidade, o Romantismo não era só um estilo artístico, mas, também e acima de tudo, uma verdadeira representação de uma atitude existencial de forte reacção contra a ditadura racionalista do Iluminismo do chamado Século das Luzes. Além do culto do omnipresente, os românticos defendem os valores intrínsecos da subjectividade: a emoção apaixonada, o sentimento de entrega e de indiscutível dedicação à Arte e a insaciável procura da imaginação. Era também um período fortemente influenciado pela liberdade conquistada na Revolução Francesa, pelo que a liberdade de criação era defendida com enorme determinação.

Itália, Alemanha e Inglaterra, constituem o berço do Romantismo, mas é em França que o Romantismo ganha força como em nenhum outro país na primeira metade do séc. XIX, e é através dos artistas franceses, que os ideais românticos se espalham pela Europa e pela América.

Mas, também é em França que, nas últimas décadas desse século, nasce o Realismo em reacção contra o Romantismo e Camille vive intensamente esse período. Mesmo no final do século desenha-se o conceito de vanguarda, contra o Realismo, e Camille espiritualmente rica e independente, mesmo não aderindo ao Vanguardismo puro, não se consegue inserir no mecanismo financeiro do mercado de arte que surgia nessa altura e que Rodin defendia. Não se identifica, de forma alguma, com a realidade desumanizada que o Vanguardismo propunha. Torna-se desenraizada e revoltada, precisamente na altura em que a sua vida sentimental começa a ruir e os contornos da sua vida começam a desfocar-se.

Aniquilada interiormente, como o mundo em ruínas que a envolve, Camille começa a admitir alguma impotência em conseguir impor-se, encerra-se em si mesma envolta pelo silêncio das suas esculturas e perde certezas que definem seres e mundo e o equilíbrio que regula as suas relações. É, pois, natural que se recuse a medir forças dialecticamente com a realidade exterior.


(por Ruben Marks)