Camille Claudel

Uma Mulher

2010-01-01

Em toda a história do internamento de Camille Claudel,
de contornos muito estranhos, muitas questões se colocam
e para as quais dificilmente se encontram respostas

A partir de 1898, quando se dá a ruptura definitiva entre Camille e Rodin, Camille fecha-se no seu estúdio, entrega-se a uma solidão obsessiva, caracterizada pela pobreza e pela ruína física e mental. Só sai de madrugada, para encontrar alguma comida para a sua miserável alimentação, e dá início a uma espécie de exorcismo, destruindo grande parte da sua produção, como forma de aliviar a dor do abandono e de se livrar daquilo que ainda a vinculava ao homem amado.

Rodin tenta vê-la, mas é rechaçado, transformando-se num inimigo perseguidor, dentro do seu delírio paranóico. Camille era mulher de orgulho firme, arrogante timidez, violência de sentimentos, que surpreendia com as suas opiniões originais e maneira de falar. Aliás, o seu carácter irascível nota-se bem visível em algumas das suas criações. Pelo que não surpreende que tenha ficado ferida e desorientada, após ter decidido romper definitivamente com Rodin, quando ele não cumpriu a promessa de se casar com ela.

O pai de Camille, que a protegia, morreu a 3 de Março de 1913 e, portanto, logo no dia 10, por ordem de sua mãe e de seu irmão, dois enfermeiros-guardas do Hospital Psiquiátrico de Ville-Evrard, irromperam pelo apartamento e levaram-na à força. Este internamento, aparentemente sem grandes motivos de peso, não foi muito claro nem compreensível. Permanecem alguns mistérios. Ville Evrard era um lugar de «internamento voluntário», portanto ele só seria possível com a sua própria assinatura na ficha de entrada. Que aconteceu, portanto? Teriam a mãe e o irmão Paul movido influências para que fosse ultrapassado esse requisito?

Parece que o motivo oficial deste internamento se deveu a queixas dos vizinhos, inquilinos na velha casa que habitava na Avenida Bourbon. Segundo o próprio Paul Claudel, os guardas encontraram o apartamento numa desordem e numa sujidade indescritível. Gesso e argila por todo o lado, na parede, presas com alfinetes, as catorze estações da Via Sacra.

Após um ano nesse Hospital e por causa da guerra, que, entretanto, havia explodido, Camille é transferida para um asilo de doenças mentais, o Hospital Psiquiátrico de Montdevergues, perto de Avignon, onde ficará prisioneira durante 30 anos até à sua morte. Ora, o que se sabe, lendo relatos da época, é que Montdevergues «era lugar para se ir morrer». Por exemplo, no diário local «A Lanterna», aparece nessa época um ataque muito duro contra o director do Hospital, desenhado como um lugar sombrio, o que vem confirmar as palavras da própria Camille, nas suas lancinantes cartas, onde tece descrições perfeitamente patéticas da forma como eram tratados os doentes.

Será que esse seu comportamento justificava uma reclusão num local tão horroroso? Porque ficou tão longe de todos e não lhe permitiam muitas visitas? Como é que durante trinta anos, a mãe, a irmã Louise até o seu querido irmão Paul, que, entretanto, era já um célebre escritor e diplomata, chegando a ser Embaixador da França, puderam ignorar os apelos e os pedidos dramáticos de Camille para sair dali? Quando ela não pedia mais do que a paz e o calor da sua casinha de Villeneuve? («Deus! Como eu quereria estar em Villeneuve!»; «O meu sonho é voltar já para Villeneuve e não me mexer mais! Preferia uma quinta em Villeneuve do que um lugar de primeira pensionista aqui...»; «Que alegria, se eu pudesse regressar a Villeneuve!»; «Como eu queria estar sentada à lareira em Villeneuve!»).

Mesmo admitindo que o seu estado, com acessos violentos de paranóia, obrigasse a períodos de internamento, porque não a transferiram para outro local, com cuidados apropriados, e a deixaram ficar ali, onde foi assistindo à morte por frio das suas companheiras?

A sua mãe nunca a irá visitar e rejeita com firmeza o conselho dos médicos para a levar de volta ao lar. O seu irmão Paul visita-a poucas vezes e nada faz para amenizar o sofrimento de Camille, apesar das cartas suplicantes que ela lhe escreve, narrando as condições sub-humanas em que vive. Chegando ao extremo de, em 1933, se negar a pagar-lhe uma pensão hospitalar, ficando ela como indigente no hospital.

Nas suas cartas, ouvem-se os gritos de apelo à liberdade : “O meu lugar não é aqui, é preciso tirarem-me daqui; depois de 14 anos de uma tal vida, reclamo a liberdade em grandes gritos”, escreve Camille à sua mãe em 2 de Fevereiro de 1927. Ou nesta outra “Se me concedesses o quarto da senhora Régnier e a cozinha, mesmo que não utilizasse o resto da casa. Não farei absolutamente nada reprovável. Já sofri tanto…”

E é esperando em vão a visita da sua irmã e sua mãe, que Camille morre em solidão e abandono.

Além de inqualificável, é tudo muito misterioso, de facto!


(por Ruben Marks)